"do mal"?

tradução/legendagem de vídeo* por niê* 17 dez. 2023

[audiodescrição introdutória em breve]

Quando as pessoas discutem as atrocidades que estão sendo cometidas pelas forças de ocupação contra o povo de Gaza, você escuta a palavra "maligno" sendo dita por aí. E, na verdade, não gosto do jeito que usamos essa palavra.

Preste muita atenção quando você a ouvir e como ela está sendo invocada. As pessoas falam sobre o mal quase como se fosse algo sobrenatural. Falam como se fosse uma força primordial incontrolável e onipresente à qual os humanos não têm poder para ser mais que um canal, e que é apenas uma questão de quando e onde.

Eu acho que isso é um erro por diversos motivos, que se resumem à desumanização das pessoas que estão perpetuando essas atrocidades. Liberais vão me ouvir mal quando eu disser isso, tipo, "ah, sim, humanizem criminosos de guerra, vocês têm mesmo é que sentar em volta de uma fogueira e cantar uma música ou algo do tipo"; não estou dizendo nada disso, mas sim que você tem que se forçar a entender que essas atrocidades estão sendo cometidas por mãos e pessoas humanas.

Isso é importante porque só seres humanos são capazes de responder por suas ações. Satanás ou a força do mal ou o bicho-papão ou sei lá não pode ser responsabilizado. As Forças de Ataque de Israel com certeza podem.

E mais ainda, acho perigoso criar uma distância entre si próprio e as pessoas que estão cometendo esses atos horríveis, porque é assim que eles são capazes de serem cometidos em primeiro lugar. Você vê corpos sendo explodidos e seu cérebro não consegue compreender a desumanidade, e diz "não, isso é um Outro maligno alienígena e não tem nada a ver comigo", mas tem tudo a ver com você, porque se seres humanos do outro lado do mundo podem ser influenciados por seu Estado a fazer tais coisas, você também pode. Entidades políticas mal-intencionadas se aproveitam de motivações humanas para fazer com que pessoas façam coisas terríveis em seu nome.

Se você desumaniza as pessoas que cometem esses atos, você perde isso de vista. Abaixe o espelho, pois você deveria estar dando uma boa olhada nele. Suas motivações também podem ser distorcidas pelo Estado para fins malignos. Qualquer superioridade moral ou separação que você sinta desse fato é apenas consequência das circunstâncias. Estamos sobre terras roubadas também.

Quando você se separa da sua capacidade de fazer o mal, você tira o dedo do coração da sua humanidade. É assim que um grupo de pessoas que sofreu genocídio pode vir a cometer um. Quando você trata o opressor como um outro, você não consegue identificar que se tornou ele.

Usamos o mal como um recurso retórico para nos distanciar das partes feias e assustadoras da humanidade que não gostamos de ver no espelho. Acho que, especialmente para estadunidenses, isso é um erro enorme. A realidade incômoda é que você não está separado disso, você está muito mais próximo disso do que talvez se permita admitir. Você vê o que está acontecendo lá e diz "isso é diabólico, isso é Maldade com letra maiúscula", quando a palavra que procura de fato é Americano com letra maiúscula. [interjeição] Oops!

Israelenses não são sobrenaturalmente malvados, Netanyahu não é o Voldemort. Eles são parte de um projeto de ocupação colonial cujo manual os EUA ajudou a escrever. Não ouse se separar disso, ainda mais quando você o está financiando. Acho que o quão perto você está do mal do qual você tenta se distanciar é o que mais te assusta. A chamada está vindo de dentro de casa e essa é a realidade com a qual é tão vital lidar.


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disputas de sentido: guerra x massacre

post original no blog* por niê* 16 dez. 2023

o texto a seguir foi meu trabalho final de uma disciplina da linguística que trata das ciências do léxico (grosso modo, definições de palavras e elaboração de dicionários). a proposta era que abordássemos pares de palavra cujos sentidos estão em algum tipo de disputa na sociedade, construindo e promovendo uma discussão crítica sobre conceitos e normatizações e sua relação com usos sociais e democracia. embora as restrições técnicas do trabalho tenham me obrigado a deixar de fora um monte de coisa que acho relevante incluir no assunto, tô compartilhando porque não vejo sentido nisso ficar só no ambiente acadêmico, considerando que é um tema de enorme importância, especialmente neste momento. pode compartilhar à vontade também; agradeceria se incluísse os créditos, mas nem faço questão. boa leitura!

GUERRA X MASSACRE

As ruas da minha cidade não têm nome.
Se um palestino é morto por um sniper ou drone,
damos à rua o seu nome.
Crianças aprendem melhor os números
quando podem contar quantas casas ou escolas
foram destruídas, quantas mães e pais
foram feridos ou jogados na prisão.

(Mosab Abu Toha)¹

O que é uma guerra?

Praticamente toda primeira definição de guerra presente em dicionários inclui alguma menção ao combate armado entre pelo menos dois lados, como no Michaelis² — “luta armada entre nações, etnias diferentes ou partidos de uma mesma nação, por motivos territoriais, econômicos ou ideológicos” — ou no Cambridge³ — “luta armada entre dois ou mais países ou grupos”. Na prática, nem sempre a palavra faz referência exclusivamente ao enfrentamento direto, mas a uma projeção de duas ou mais partes capazes de contrapor-se uma a outra, como exemplifica a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética: duas superpotências mundiais com sistemas político-econômicos antagônicos que competiam em termos ideológicos e de capacidade bélica.

Mas e quando esses lados não têm simetria, para começo de conversa?

Esse é o caso da questão de Israel e da Palestina, que internacionalmente recebe a designação de guerra desde pelo menos 1948, quando o Estado de Israel foi criado em território palestino através da desapropriação e deslocamento de mais de 700 mil árabes — o que ficou conhecido como al-Nakba (“a catástrofe”). Hoje, a Palestina se limita apenas à Cisjordânia, incluindo parte de Jerusalém, e à Faixa de Gaza, que desde 2007 se encontra sob um bloqueio marítimo, terrestre e aéreo imposto por Israel⁴. Como se tudo isso já não comunicasse o desequilíbrio entre os dois lados, Israel é um dos maiores investidores militares e exportadores de armamento do mundo, enquanto a Palestina não possui exército regular nem indústria de defesa nacional⁵.

Tal exemplo mostra que a palavra carrega em si sentidos que implicam em projetos geopolíticos e relações de poder, sustentando definições dominantes ligadas a interesses legitimadores de determinadas atitudes. Guerra certamente é um desses casos, e se tomarmos um contraponto à perspectiva hegemônica do ocidente imperialista e colonizador, podemos refletir sobre o que fica de fora dessas definições: o ativista indígena norte-americano Leonard Peltier diz que guerra é “quando [os esforços dos opressores] para colonizar povos indígenas encontram resistência ou qualquer coisa que não seja rendição absoluta” (PELTIER, 1999)⁶.

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Vale tudo numa guerra? Quem determina seus limites?

Em artigo para a Revista de Informação Legislativa⁷, Palhares Moreira Reis evoca a definição de guerra do general prussiano Carl von Clausewitz, “um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”, para afirmar que não há qualquer limite para a manifestação dessa violência. Considerando a assimetria de poder entre Israel e Palestina, podemos imaginar resultados bastante diferentes em cada lado se isso fosse colocado em prática; na verdade, já faz algum tempo que é possível observar isso acontecendo.

Em 7 de outubro, o Hamas, grupo palestino de resistência armada à ocupação israelense, invadiu Israel e causou pelo menos 1.300 mortes no que foi denominado “o pior atentado terrorista no mundo desde o 11 de Setembro” por Dani Avelar, no jornal Folha de S. Paulo⁸. Em resposta, Israel deu início a uma ofensiva militar sem precedentes, que em pouco mais de um mês causou, segundo a ReliefWeb⁹, a morte de mais de 10 mil palestinos, deixando pelo menos 24 mil feridos e 65% da população de Gaza desabrigada, com fornecimento de combustível, eletricidade e água cortados e um sistema de saúde em colapso¹⁰. No título de uma reportagem da Middle East Monitor, fica clara a proporção das consequências da ofensiva de Israel – “‘Não há lugar seguro’ em Gaza, incluindo hospitais e escolas” (tradução nossa):

matéria do MEMO de título 'No place safe in Gaza, including hospitals, schools: UN humanitarian affairs office' e as tags 'International Organisations', 'Israel', 'Middle East', 'News', 'Palestine' e 'UN'
https://www.middleeastmonitor.com/20231111-no-place-safe-in-gaza-including-hospitals-schools-un-humanitarian-affairs-office; publicado em 11/11/2023; consulta em 13/11/2023.

Mesmo após 120 votos a favor de uma resolução apresentada à Organização das Nações Unidas pedindo um cessar-fogo e a entrada de ajuda humanitária no território, Israel segue agindo violentamente sob o argumento da autodefesa¹¹, pondo em xeque o poder de uma maioria internacional de definir limites ao justificável e aceitável e de proteger os direitos humanos.

Se não é guerra, então é o quê?

Em referência às mortes de palestinos durante protestos em Gaza no ano de 2018, o cientista político Norman Finkelstein fala em massacres, com respaldo no relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre os eventos: “[O relatório] afirma claramente que Israel tem crianças como alvos intencionais nessas demonstrações, repórteres, equipes médicas (...), até mesmo pessoas com deficiência. E isso, para mim, foi um mérito para [o CDH] pelo fato de não alegar um equilíbrio falso. Para os danos causados ao povo de Gaza, são dedicadas 10 páginas inteiras, e depois há uma seção chamada ‘Impacto em Israel’, de três parágrafos. Isso é exatamente o que a realidade mostra: que, esmagadoramente — na verdade, praticamente na totalidade —, toda a morte e destruição é no lado palestino”¹².

Seja sob o pretexto de repressão, seja de retaliação, os atos de Israel se alinham com a definição dicionarizada de massacre de modo exemplar, desde o Dicio¹³ — “assassínio de pessoas sem defesa; grande morticínio cruel” — até o Oxford English Dictionary¹⁴ — “a matança brutal e indiscriminada de pessoas ou, menos comumente, animais; carnificina, abate, matança em grande número”. Em artigo para a Opera mundi de 2012, mais de dez anos atrás, a repórter e socióloga Marina Mattar mencionava massacre como uma alternativa mais condizente aos eventos em Gaza:

matéria no O.M. com o título 'O que está acontecendo na Faixa de Gaza? Guerra ou massacre?' e a lead 'Diferenças entre as capacidades militares de israelenses e palestinos marcam conflito no Oriente Médio'
https://operamundi.uol.com.br/opiniao/25512/o-que-esta-acontecendo-na-faixa-de-gaza-guerra-ou-massacre; publicado em 19/11/2012; consulta em 15/11/2023.

Qual o papel da mídia e dos demais meios de comunicação na compreensão dos eventos como uma coisa ou outra?

No programa de áudio da BBC reproduzido abaixo, cuja chamada diz “Gaza: Explosão no campo de refugiados de Jabalia” (tradução nossa), a escolha por “explosão” ao relatar o bombardeio de um campo de refugiados palestinos pelo exército israelense abre uma incerteza quanto à intencionalidade e gravidade do ocorrido, além de omitir o agente responsável por ele. Já no Jornal Nacional, a manchete “Funcionários da ONU e da Cruz Vermelha morrem em Gaza em meio ao fogo cruzado” sugere um conflito entre Israel e Hamas, quando na verdade o primeiro havia bombardeado civis.

capa do programa da BBC com foto do campo de Jabalia em escombros e o título 'Gaza: Explosion at Jabalia refugee camp', seguido da lead 'The Hamas-run heath ministry say at least 50 people have been killed'
https://www.bbc.co.uk/programmes/w172z0w3ww06vb4; publicado em 31/10/2023; consulta em 22/11/2023.

captura de tela da matéria do JN com o título 'Funcionários da ONU e da Cruz Vermelha morrem em meio ao fogo cruzado em Gaza' e a lead 'Os americanos posicionaram navios no Mediterrâneo. A primeira remessa de armamentos já chegou a Israel. Os EUA prometem mais e vão aprovar no Congresso verba emergencial para a guerra', e as informações 'Por Jornal Nacional 11/10/2023 21h02 Atualizado há um mês'
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/10/11/funcionarios-da-onu-e-da-cruz-vermelha-morrem-em-meio-ao-fogo-cruzado-em-gaza.ghtml; publicado em 11/10/2023; consulta em 22/11/2023.

A repercussão desses eventos nas redes sociais vem proporcionando uma experiência nova na história: inúmeros civis e repórteres em Gaza estão sendo acompanhados por milhões de pessoas em plataformas como o Instagram e o Twitter, gerando uma proximidade que dá dimensão real às consequências das ações militares israelenses. Bisan Owda, uma das principais jornalistas reportando de Gaza, inicia suas atualizações diárias com “Oi, é a Bisan, ainda estou viva”. Em artigo para a New York Magazine, a autora palestino-estadunidense Zaina Arafat diz que “Todo dia cedo, eu olho meu feed na esperança de encontrar algo de Bisan. Fico de estômago apertado até ela aparecer”¹⁵. Essa sensibilização tem alimentado a demanda dos usuários pela transparência dos detalhes e a adequação da linguagem na cobertura dos eventos pela grande mídia, muitas vezes contrastante com a realidade que essas pessoas estão mostrando.

O que mais pode estar sendo intencionalmente reprimido nas palavras?

Tomando os ataques inclementes de Israel ao território palestino por si só, já percebemos que estes são massacres, sem correspondência com os enfrentamentos esperados de dois lados de uma guerra. No entanto, se considerarmos o contexto amplo em que estão inseridos, percebemos que essa palavra não é suficiente para definir a situação: entre a Nakba e o sítio à Faixa de Gaza, há um Estado construído sobre racismo e supremacismo, onde um ministro não pestaneja ao dizer que lutam contra “animais humanos”¹⁶ e um presidente responsabiliza “uma nação inteira” pelas ações de um grupo¹⁷.

Sylvia Miguel, numa reportagem para o Jornal da USP de 2010¹⁸, lembra que “[o] fenômeno em que um governo ou um grupo no poder ataca uma minoria étnica identificável, com a finalidade exclusiva de exterminá-la parcial ou integralmente, de forma planejada e sistemática, como maneira de resolver os conflitos de dominação política” é ao que a história chama de genocídio. Esta é a palavra que Craig Mokhiber utiliza em sua carta de renúncia ao cargo de diretor do escritório da ONU em Nova York¹⁹: “Em Gaza, casas de civis, escolas, igrejas, mesquitas e instituições de saúde são atacadas desenfreadamente enquanto milhares de civis são massacrados. Na Cisjordânia e Jerusalém ocupadas, casas são tomadas e reatribuídas inteiramente com base na raça, e violentos pogroms de colonos são acompanhados de unidades militares israelenses. Por todo o território reina o Apartheid. Este é um exemplo perfeito de genocídio. O projeto de ocupação colonial etno-nacionalista europeu na Palestina entrou em sua fase final, em direção à acelerada destruição dos últimos remanescentes da vida indígena na Palestina”.

Isso revela, portanto, que massacres podem ser apenas um dos componentes de um empreendimento maior e ainda mais perverso, com ocorrências espalhadas por toda a história do Ocidente. Resta saber: vamos mesmo deixar com que isso aconteça mais uma vez?



¹ Critical Muslim. Tradução nossa. https://www.criticalmuslim.io/three-poems-9; sem data; consulta em 21/11/2023.
² Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/guerra; sem data; consulta em 11/11/2023.
³ Cambridge English Dictionary. Tradução nossa. “Armed fighting between two or more countries or groups, or a particular example of this”. https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/war; sem data; consulta em 08/11/2023.
⁴ Al Jazeera. https://www.aljazeera.com/news/2023/10/9/whats-the-israel-palestine-conflict-about-a-simple-guide; publi- cado em 09/10/2023; consulta em 20/11/2023.
⁵ TRT World. https://www.trtworld.com/magazine/this-is-the-imbalance-of-power-between-israel-and-palestine-in-real-terms-46651; publicado em 11/05/2021; consulta em 20/11/2023.
⁶ PELTIER, Leonard. Harvey Arden (ed.). Prison Writings: My Life Is My Sun Dance. 1ª ed. Nova York: St. Martin’s Press, 1999. Tradução nossa.
⁷ REIS, Palhares Moreira. Sobre a Guerra. In: Revista de Informação legislativa, Brasília, v. 36, n. 144, out./dez. 1999, p. 101-110. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/534>. Acesso em: 20/11/2023.
⁸ Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/10/entenda-como-foi-o-ataque-terrorista-do-hamas-em-israel-no-7-de-outubro.shtml; publicado em 14/10/2023; consulta em 20/11/2023.
⁹ ReliefWeb. https://reliefweb.int/report/occupied-palestinian-territory/death-toll-gaza-exceeds-10000-month-palestinian-organizations-call-immediate-end-israels-genocidal-warfare-against-palestinians; publicado em 07/11/2023; consulta em 20/11/2023.
¹⁰ AP News. https://apnews.com/article/palestinians-israel-health-ministry-gaza-hamas; publicado em 21/11/2023; consulta em 21/11/2023.
¹¹ UOL. https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/10/27/assembleia-da-onu-aprova-tregua-em-gaza-israel-diz-que-nao-cumprira.htm; publicado em 27/10/2023; consulta em 20/11/2023.
¹² Democracy Now!. Tradução nossa. https://www.democracynow.org/2019/3/4/it_is_time_to_indict_israel; publicado em 04/03/2019; consulta em 15/11/2023.
¹³ Dicio – Dicionário Online de Português. https://www.dicio.com.br/massacre; sem data; consulta em 07/11/2023.
¹⁴ Oxford English Dictionary. https://www.oed.com/search/dictionary/?scope=Entries&q=massacre; sem data; consulta em 20/11/2023.
¹⁵ New York Magazine. Tradução nossa.https://nymag.com/intelligencer/article/bisan-plestia-motaz-gaza-through-my-instagram-feed.html; publicado em 20/11/2023; consulta em 21/11/2023.
¹⁶ Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2023/10/29/genocidio-terrorismo-massacre-escancara-limites-das-leis-internacionais-com-confronto-colonial-na-palestina; publicado em 29/10/2023; consulta em 22/11/2023.
¹⁷ HuffPost. https://www.huffpost.com/entry/israel-gaza-isaac-herzog; publicado em 13/10/2023; consulta em 26/11/2023.
¹⁸ Jornal da USP. https://web.archive.org/web/20210410204324/http://espaber.uspnet.usp.br/jorusp/?p=9192; publicado em 03/05/2013; consulta em 22/11/2023.
¹⁹ Democracy Now!. https://www.democracynow.org/2023/11/1/craig_mokhiber_un_resignation_israel_gaza; publicado em 01/11/2023; consulta em 10/11/2023.


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a campanha de marketing para o genocídio

tradução/legendagem de vídeo* por niê* 28 out. 2023

[audiodescrição introdutória em breve]

Fiz outro quadro para vocês. Mas dessa vez é para que a gente possa encenar como o time de marketing para o genocídio. Preste atenção.

Trabalho com marketing, comunicação, essas coisas, há uns 10 anos, e posso afirmar com segurança que estamos sendo submetidos, com esse genocídio, a uma campanha de marketing de primeira classe. Então o que pensei em fazermos juntos é afastar as cortinas para podermos nos ver da forma que eles nos veem, e assim podermos analisar qual seria o pior cenário para eles e como podemos fazer isso juntos. Vamos lá, então.

[mostra um quadro branco com um gráfico de meia pizza dividido em três partes iguais, marcadas como "positivo" (em verde), "neutro" (em preto) e "negativo" (em vermelho)]

Toda boa marca tem isso: você tem que saber quem são seus apoiadores [aponta para "positivo" no quadro], quem não se importa muito com a sua marca [aponta para "neutro"] e quem é contra [aponta para "negativo"]. Então, para a gente, essas ["positivo"] são pessoas a favor do genocídio, essas ["neutro"] são pessoas que, nas palavras de Piers Morgan, acham que "não têm um cavalo na corrida", e essas ["negativo"] são pessoas veementemente contra nós. Agora, toda boa campanha de marketing costuma tentar conquistar essas pessoas [aponta para "neutro"], porque é aqui que está o mercado em potencial, certo? Essas são as pessoas que, se as transformarmos em apoiadoras, ficamos com a maior parcela de mercado.

Esse não é bem o nosso caso. Para seguirmos adiante com esse genocídio, tudo o que a gente precisa é que essas pessoas continuem neutras e assim teremos a maioria [contorna as partes de "neutro" e "positivo" juntas]. Ok? Então, em virtude de dizerem "eu não tenho um cavalo na corrida" e continuarem a dizer isso, estamos vencendo. De novo, como toda boa propaganda de marketing, eu não preciso mirar aqui ["positivo"]; esses vão ficar conosco haja o que houver. Poucos desses, para ser honesta, vão abandonar o barco para cá ["negativo"], mas isso é irrelevante; vamos ter que torcer para que não seja o suficiente para desequilibrar o barco.

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Você deve estar se perguntando: "quais são minhas ferramentas para manter essas pessoas neutras?" Essa é uma ótima pergunta. Isso é o que tenho à disposição: tenho cerca de duas décadas e meia de imprensa islamofóbica à qual estiveram submetidas [escreve "imprensa" na parte de "neutro" do quadro], o que é fantástico; tenho construído muitas relações públicas [escreve "RP"], pagando celebridades para tirarem férias aqui, me promovendo como um destino de férias... eu também vou, com essa imprensa, convencê-las de que essa é uma questão complexa [escreve "complexo"]; o que vão fazer é acreditar que o bem moral [escreve "bem"] é continuar em silêncio, e isso é muito importante aqui, porque eu quero que elas acreditem que essa questão é tão inacessível e além da compreensão delas que tomar um partido seria, na verdade, o mal moral, por mais que a história [riso] dirá que não é e só vão precisar ler um livro sobre genocídio para perceber que estão sendo cúmplices, mas vamos torcer para que isso não aconteça. Vamos pagar mais algumas celebridades, influenciadores e tal [escreve "infl."], para dizer que o que estamos fazendo é bom, porque suas vozes vão ser mais altas que as de pessoas que não conhecem, embaixadores e tal. Certo?

[vira o quadro de ponta-cabeça para mostrar uma tabela dividida em duas colunas, "neutro" (em preto) e "negativo" (em vermelho) com três linhas cada]

Vamos dar uma olhada em quem são as pessoas que estamos conseguindo manter neutras; para fazer isso, vamos descobrir quem elas não são. As pessoas que são contra esse genocídio, ruins para nós, né, tendem a ser mais jovens [aponta para a primeira palavra da primeira linha de "negativo"], pessoas que reconhecidamente não assistem muito à mídia mainstream. Isso significa que não consomem muitas notícias mainstream, o que quer dizer que elas não são tão islamofóbicas quanto, digamos, os pais delas, e é por isso que dizemos que nossos pais são problemáticos; o motivo deles falarem coisas problemáticas é o motivo de você não falar. Eles vêm consumindo coisas que você não consome, essa é a verdade; se você começasse a consumir mídia mainstream por anos e anos e anos, você também seria problemático. Então essas pessoas que são negativas a essa campanha também tendem a ser pessoas racializadas [aponta para a segunda palavra da linha] pessoas racializadas porque elas tendem a desconfiar, digamos, do que a mídia mainstream diz sobre elas, porque elas conseguem olhar para as campanhas que estamos fazendo e dizer, "isso não é verdade". Então, em virtude de serem pessoas mais jovens e racializadas, elas tendem a não ter muito dinheiro [aponta para a segunda linha, "$-$$"]. O que isso significa é que elas não têm cargos de chefia no trabalho, tendem a não ter empresas próprias e tendem a não ter estado no país que estão tempo suficiente para terem acumulado muito poder [aponta para a terceira linha, "poder -"]. Isso falando no geral, né; estamos nos concentrando na pessoa média.

Então quem são as pessoas que estão ficando neutras? Vamos ver. Elas tendem a ser mais velhas [aponta para a primeira palavra da primeira linha de "neutro"]; de novo, o motivo de serem neutras e o motivo de serem mais velhas estão ligados. O motivo de serem ambos é porque elas vêm consumindo muita mídia mainstream; elas só tiveram que aceitar a islamofobia [riso] por todos esses anos. Por serem pessoas mais velhas e brancas [segunda palavra da primeira linha], elas tendem a ter um pouco mais de dinheiro [aponta para a segunda linha, "$$-$$$"], e, portanto, a ter um pouco mais de poder [terceira linha, "poder +"], seja por estarem em suas posições por mais tempo, seja por terem uma empresa, porque estão aí há mais tempo, então só querem trabalhar para si mesmas, coisa e tal. Elas tendem a ter um pouco mais de "influência" na sociedade. Então são essas as pessoas que precisamos que fiquem neutras. Ok?

[desvira o quadro de volta para o gráfico de meia pizza]

Nosso pior cenário de marketing para esse genocídio são essas pessoas [aponta para "neutro"] perceberem que estão sendo cúmplices de um genocídio com sua neutralidade. O momento que elas entenderem que, na verdade, não é o bem moral ficar em silêncio, é o momento que começamos a perder essa parcela de mercado. O jeito que isso pode acontecer é se as pessoas que estão aqui ["positivo"] começarem a fazer com que seus influenciadores cheguem a essas pessoas em específico ["neutro"] e digam, "meus amigos, provavelmente está na hora de acordar". O motivo pelo qual isso seria um prejuízo é o simples fato de essas pessoas participarem de um boicote, pois, por causa do tanto de dinheiro que elas têm, eu teria muito do meu financiamento cortado. O momento em que essas pessoas começarem a dizer a pessoas com quem trabalham, porque elas têm segurança para fazer isso, que não tem problema apoiar a Palestina, e outras pessoas começarem a apoiar a Palestina, porque elas têm essa influência, é o momento em que começamos a perder espaço no mercado. O momento em que essas pessoas acordarem para o fato de que, historicamente, a consciência delas não vai estar limpa daqui a 10 anos e que estão caindo de novo no [riso] velho truque do genocídio, é aí que começamos a perder espaço no mercado.


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a lógica do bombardeio em massa

tradução/legendagem de vídeo* por vinícius* 21. out 2023

[audiodescrição introdutória em breve]

[Bassem Youssef] Eu quero entender qual é a lógica de Israel bombardear Gaza sistematicamente. Quero dizer, se houver uma lógica, se for boa, se isso tornará Israel seguro, eu quero ouvir a lógica. Então, se eles continuarem bombardeando, o que eles esperam conseguir? Deixe-me saber o que eles--

[Piers Morgan] Bem, sabemos qual é o objetivo declarado deles: o objetivo declarado deles é erradicar e acabar com o Hamas. Eles acreditam que o Hamas vive predominantemente no norte de Gaza, e eles também estão cientes de que estão vivendo entre civis.

[B.Y.] Então, se eu consegui entender corretamente, basicamente Israel está fazendo isso para pressionar a comunidade palestina em Gaza a se voltar contra o Hamas. É isso mesmo?

[P.M.] Tenho certeza que isso é parte do motivo, sim.

[B.Y.] É parte do motivo. Então isso é exatamente o que organizações terroristas fazem, porque organizações terroristas não teriam a menor chance de derrotar uma nação inteira em combate, então eles aterrorizam e matam os civis para espalhar medo e terror, para que eles possam se voltar contra seu governo para mudar sua política ou renunciar. Você acabou de comparar Israel com o ISIS.

[corte]

[B.Y.] Eu diria-- eu realmente aplaudo Israel por fazer uma coisa que nenhuma força militar no mundo faz, porque eu ouvi Ben Shapiro e Ron DeSantis e eles disseram que Israel é a única força militar do mundo que avisa os civis antes de bombardeá-los. Quer dizer, que fofo, isso é tão gentil da parte deles! Porque com essa lógica, se as tropas russas começassem a alertar os ucranianos antes de bombardear suas casas, estaríamos de boa com o Putin, certo? Quer dizer, ok, habibi ["querido" em árabe], você os avisou, vá invadir. Está tudo bem, você fez o que tinha que fazer.


tags*: #palestina #colonialismo compartilhar

a linguagem cínica da grande mídia

tradução/legendagem de vídeo* por niê* 20 out. 2023

[audiodescrição + transcrição da tradução em breve]


tags*: #palestina #mídia #linguagem compartilhar

o estado racista e supremacista de israel

tradução/legendagem de vídeo* por niê* 20 out. 2023

[audiodescrição + transcrição da tradução em breve]


tags*: #palestina #colonialismo #história compartilhar

alexitimia em pessoas trans e em autistas

tradução de post de texto* por niê* 7 jul. 2023

drdemonprice:

Novo estudo aponta que pessoas trans não autistas apresentam alexitimia em níveis elevados, da mesma forma que pessoas autistas.

Será que TANTO pessoas trans QUANTO pessoas autistas têm dificuldade em reconhecer seus sentimentos porque se acostumaram a se dissociar deles devido a traumas?

Alexitimia é o termo clínico para a incapacidade de reconhecer ou nomear as próprias emoções. Profissionais de saúde supõem há muito tempo que pessoas autistas não são capazes de saber como se sentem, quando na realidade a maioria de nós tem sido silenciada a vida toda por sentirmos as coisas erradas.

Muitas pessoas discutem a alexitimia como se fosse uma característica inata do autismo, mas esse estudo sugere que qualquer grupo que ouça que sua forma de mover e exibir o próprio corpo é “errada” pode lidar com isso se dissociando do próprio corpo e de seus estados internos.

Se a alexitimia realmente for uma dissociação por efeito de traumas, podemos esperar que ela tenha uma alta taxa entre pacientes com doenças crônicas, bem como entre pessoas gordas, já que ambos os grupos também têm seus sentimentos internos invalidados em grande medida.

Infelizmente, os autores desse estudo concluem que se uma pessoa trans não consegue nomear suas emoções, pode ser que ela seja subclinicamente autista, mas isso pressupõe que a alexitimia é causada pela deficiência em vez de ser uma forma de lidar com a marginalização do próprio corpo.


ety-mologic [reblog]:

Eu acredito que minhas experiências de alexitimia são tanto inatas quanto adquiridas. Sempre tive dificuldades com interocepção¹, o que torna "o que estou sentindo e como descrevê-lo" para lá de desafiador. Também sei que o trauma — especialmente a negligência emocional e a invalidação — contribui significativamente no porque isso é um *problema* em vez de simplesmente uma peculiaridade à qual se adaptar.

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A combinação de não conseguir perceber certas sensações e não receber as ferramentas e a validação necessárias para *rotular* essas sensações resultou em uma verdadeira bagunça. Regular suas emoções é difícil ou quase impossível se você não consegue descobrir o que está sentindo (física e emocionalmente) e tem que basicamente solucionar seus sentimentos na marra. Eu de fato aprendi a rotular e comunicar melhor meus sentimentos quando consigo identificá-los, mas frequentemente ainda não os percebo, para começo de conversa (fome ou sono são exemplos de sensações básicas que geralmente não consigo “sentir” de verdade, mesmo com prática, meditação e foco intenso nas minhas sensações internas).

Tenho pensado MUITO sobre isso ultimamente, pois estou tentando adquirir essas habilidades tanto por conta própria quanto com terapia. (A pessoa com quem faço terapia não entende de jeito nenhum que a maneira como eu vivencio sensações é diferente e se confunde com minha própria confusão em relação aos meus sentimentos, mas isso é um problema para outro dia.)

Eu não acredito que a alexitimia seja *apenas* dissociação devido a trauma ou falta de educação emocional (não que eu pense que seja isso que você está dizendo, só para deixar claro), mas acredito fortemente (e posso elaborar melhor depois) que muitos dos “sintomas” e traços que associamos ao autismo são respostas ao trauma em vez de inatos, e isso também reflete na frequência com que esses traços aparecem em outras populações estigmatizadas e vulnerabilizadas.

Vejo várias pessoas na minha vida que claramente apresentam muitos traços e aspectos de experiências autistas, mas nunca buscaram um diagnóstico ou se identificaram com um rótulo porque estão, por falta de uma expressão melhor, bem adaptadas demais. Pessoas que não sentem que há algo errado, talvez aquelas que cresceram em um ambiente de apoio ou que não internalizaram experiências estressantes como trauma, ou que conseguiram encontrar uma comunidade e um nicho em que se encaixam sem problemas na vida adulta, geralmente não procuram explicações para suas esquisitices.

(Tenho mais opiniões a respeito de, sei lá, será que somos particularmente suscetíveis a processar níveis "normais" de estresse como traumáticos? Sei que muitas das minhas Memórias Ruins formativas são coisas completamente normais que outras pessoas com quem conversei também viveram e não tiveram problemas duradouros. Mudando um pouco de assunto e falando mais pessoalmente, será que existe alguma razão de eu ser capaz de identificar rótulos emocionais mais granulares, como “frustração”, “desespero” e “contentamento”, mas NÃO os rótulos chamados de basilares, como “raiva”, “tristeza” e “alegria”, que sempre me pareceram vagos e indetermináveis demais?)


ety-mologic [reblog]:

Um adendo: sempre que penso no papel que a invalidação possui em nossas experiências, lembro de um texto chamado "Scarred", e fico com a frase específica "Essas cenouras estão muito apimentadas" ecoando na minha mente.

Estamos acostumados a ignorar nossos próprios corpos. "Essas cenouras estão muito apimentadas", reclamávamos quando crianças, apenas para ouvir que não, elas estavam doces, que a música não estava alta demais, que ninguém é capaz de ouvir as luzes, o que você está sentindo é inválido. Ouvimos: você é inválido. Você não vivencia o mundo da mesma forma que os outros e, portanto, sua experiência está errada.



¹ Nota de tradução: A interocepção é a capacidade do cérebro de sentir as sensações internas do corpo, como fome, sede, cansaço e estresse. É por meio dessa percepção que podemos avaliar a nossa própria saúde e bem-estar e tomar medidas para cuidar de nós mesmos. (Fonte: fabricadecriatividade.com.br)


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"você fez sua namorada sentir vergonha de ser gorda"

tradução de post de texto* por niê* 7 jul. 2023

imagem em gradiente do azul-escuro para o lilás com '1/9' e '@tradutista' na parte de cima, e em letras maiores e negrito: 'Você precisa de ajuda: fez sua linda namorada sentir vergonha de ser gorda'
a mesma configuração padrão, agora com o texto 'Pergunta: Minha namorada e eu nos relacionamos há alguns anos. Nos últimos tempos ela engordou muito e tem sofrido bastante com isso. Ela não gosta da própria aparência, suas roupas não servem mais e ela odeia se arrumar de manhã, sendo que costumava adorar moda.'
'No meio disso tudo, tenho tentado oferecer o máximo de apoio e amor possível. Eu digo a ela como é linda e o quanto eu a amo e a incentivei a comprar roupas novas em que ela se sinta bem. Ela admite que está sempre comendo em excesso e não pratica exercícios o suficiente, então tentei apoiá-la a ajustar seu estilo de vida preparando refeições mais saudáveis em casa e fazendo matrícula numa academia.'
'Mas velhos hábitos são difíceis de abandonar e essas mudanças não pegaram de verdade. [novo parágrafo] Isso vem acontecendo faz nove Isso meses e ela continua engordando. E apesar de eu me autoproclamar uma pessoa positiva em relação ao corpo, seguir pessoas gordas ativistas nas redes sociais e me esforçar pra combater a gordofobia que aprendi ao longo da vida (...)'
'(...), a verdade é que tem horas em que sinto saudade da aparência dela quando nos conhecemos pela primeira vez. E tenho muita vergonha disso. Me sinto horrível como pessoa e ativista. [novo parágrafo] É claro que não contei isso a ela, porque tenho vergonha e não quero que ela se sinta mal consigo mesma.'
'Mas nossa intimidade enfraqueceu ultimamente, e ela é tão insegura quanto a ter engordado que o tempo todo me pede validação,o que eu dou. Esses dias ela me perguntou diretamente se sinto menos atração por ela agora do que quando nos conhecemos. Não fui capaz de mentir na frente dela, então falei que sim.'
'Obviamente, ela ficou arrasada. E agora eu me sinto ainda pior e com mais vergonha. Me sinto hipócrita e uma pessoa horrível. [novo parágrafo] Acho que minha pergunta é: como faço para reacender um pouco dessa atração física? Como posso ser alguém menos baac gordofóbico? E foi errado da minha parte falar honestamente sobre como me sinto?'
'Resposta: Admirei você ter escrito para essa publicação em particular pedindo ajuda para lidar com a sua situação. E vou levar a sério o que você disse sobre querer um conselho real, e não um papinho motivacional para se sentir melhor. Para falar a verdade, o que vou escrever não vai te fazer sentir nem um pouco melhor.'
um retângulo lilás diz 'leia a tradução completa e acesse a publicação original em bit.ly/vergonhadopeso' sobre uma captura de tela do site Autostraddle mostrando o começo da pergunta


Pergunta: Minha namorada e eu nos relacionamos há alguns anos. Nos últimos tempos ela engordou muito e tem sofrido bastante com isso. Ela não gosta da própria aparência, suas roupas não servem mais e ela odeia se arrumar de manhã, sendo que costumava adorar moda.

No meio disso tudo, tenho tentado oferecer o máximo de apoio e amor possível. Eu digo a ela como é linda e o quanto eu a amo e a incentivei a comprar roupas novas em que ela se sinta bem. Ela admite que está sempre comendo em excesso e não pratica exercícios o suficiente, então tentei apoiá-la a ajustar seu estilo de vida preparando refeições mais saudáveis em casa e fazendo matrícula numa academia. Mas velhos hábitos são difíceis de abandonar e essas mudanças não pegaram de verdade.

Isso vem acontecendo faz nove meses e ela continua engordando. E apesar de eu me autoproclamar uma pessoa positiva em relação ao corpo, seguir pessoas gordas ativistas nas redes sociais e me esforçar pra combater a gordofobia que aprendi ao longo da vida, a verdade é que tem horas em que sinto saudade da aparência dela quando nos conhecemos pela primeira vez. E tenho muita vergonha disso. Me sinto horrível como pessoa e ativista.

É claro que não contei isso a ela, porque tenho vergonha e não quero que ela se sinta mal consigo mesma. Mas nossa intimidade enfraqueceu ultimamente, e ela é tão insegura quanto a ter engordado que o tempo todo me pede validação, o que eu dou. Esses dias ela me perguntou diretamente se sinto menos atração por ela agora do que quando nos conhecemos. Não fui capaz de mentir na frente dela, então falei que sim.

Obviamente, ela ficou arrasada. E agora eu me sinto ainda pior e com mais vergonha. Me sinto hipócrita e uma pessoa horrível.

Acho que minha pergunta é: como faço para reacender um pouco dessa atração física? Como posso ser alguém menos babaca e gordofóbico? E foi errado da minha parte falar honestamente sobre como me sinto?


Resposta: Admirei você ter escrito para essa publicação em particular pedindo ajuda para lidar com a sua situação. E vou levar a sério o que você disse sobre querer um conselho real, e não um papinho motivacional para se sentir melhor. Para falar a verdade, o que vou escrever não vai te fazer sentir nem um pouco melhor. Sei disso porque sua carta é majoritariamente sobre como você se sente. Sobre como o peso da sua namorada faz você se sentir sobre si mesmo como ativista, sobre como o peso da sua namorada faz você se sentir sobre suas dificuldades como pessoa aspirante a aliada da positividade em relação a corpos gordos, sobre como você disse uma coisa terrível para sua namorada e agora você se sente “com vergonha”, “horrível” e “babaca”. A única coisa que sei de fato sobre sua namorada é que ela “engordou muito” (seja lá o que isso significa para você) e foi do sofrimento à desolação por causa de como você reagiu diante isso.

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Ao mesmo tempo que ouço que você incentivou sua namorada a comer de forma mais saudável e ir à academia, não ouço nada sobre os infinitos outros fatores que influencinam o peso de uma pessoa. Tais quais genética, idade, hormônios, histórico familiar, metabolismo, saúde mental, stress, pressão social, medicamentos, sua relação com traumas, abusos ou negligências do passado, seu histórico com comida e exercícios, as mensagens internalizadas sobre essas coisas ao longo do crescimento, se ela é perfeccionista ou não, quais as demandas em sua vida, tempo e corpo além de “dieta e exercício físico”, qual sua situação financeira, se ela tem alguma aversão ou sensibilidade alimentar ou não, como a pandemia a afetou. Eu poderia continuar sem parar e perguntar um bilhão de outras perguntas sobre sua namorada, porque o peso de uma pessoa quase nunca tem a ver somente com sua força de vontade para comer vegetais e suar numa bicicleta ergométrica; é um nó confuso e emaranhado de fatores físicos, mentais, financeiros, emocionais e sociais que é quase impossível de desatar. Tentar aprender de fato como essas coisas se entrecruzam e descobrir como quaisquer delas podem ter afetado sua namorada seria um uso muito melhor do seu tempo do que seguir pessoas gordas ativistas nas redes sociais.

Vou ser 100% honesta: se sua namorada escrevesse para essa coluna com essa história, eu diria para ela terminar com você. Não porque você “falou honestamente sobre como se sente”, mas porque ganhar ou perder peso, de novo e de novo e de novo, é parte da vida de quase todo mundo. É algo totalmente insignificante na vasta tapeçaria da existência, e se engordar no período curto de nove meses te joga nesse tipo de espiral em que você não apenas sente menos atração por ela, como também se considera na obrigação honrosa de dizer isso a ela, como você vai dar conta de quando as coisas realmente difíceis acontecerem? Quando um de vocês adoecer ou adquirir uma deficiência? Quando um de vocês for consumido por um luto aparentemente sem fim após a morte de um ente querido? Quando um de vocês perder o emprego? Quando problemas financeiros chegarem? Quando perderem sua casa? Quando um de vocês desenterrar um trauma que escondeu até de si mesmo? Quando um de vocês for incapaz de se libertar da densa névoa da depressão ou ansiedade? Quando um de vocês sofrer um acidente? Quando seus corpos simplesmente envelhecerem, como acontece com todos os corpos?

Por que sua namorada te confiaria a felicidade futura dela, com os fardos e alegrias de comprar uma casa ou ter crianças, com a bênção de amá-la por tanto tempo que a verá envelhecer como a avó dela, se simplesmente engordar fará com que você diga algo que sabe que vai deixá-la arrasada? Algo que você sabe que vai afetar a autopercepção dela pelo resto da sua vida? Toda vez que você iniciar uma transa, toda vez que você entrar no banheiro enquanto ela toma banho, toda vez que ela trocar de roupa na sua frente, toda vez que você tentar dizer algo legal sobre ela ou sua maquiagem ou roupa, ela terá que enfrentar o fato de que você disse que ela não era mais atraente.

Parece que o jeito que você se percebe está no centro do seu processo de decisões no momento, então deixe-me perguntar: por que você não sente tanta atração por sua namorada quanto quando vocês se conheceram? Será mesmo que é porque o corpo dela está com uma forma diferente ou é porque você se preocupa com o que uma sociedade gordofóbica vai projetar sobre você por estar com ela? Será que você agravou as inseguranças de sua namorada projetando suas próprias inseguranças sobre ela?

E aqui vai algo que você precisa encarar com uma honestidade extra, porque vai revelar algo profundamente importante sobre quem você é: você sabia que iria arrasá-la, sabia que seria cruel, sabia o que aquelas pessoas gordas ativistas diriam sobre isso. Você já se educou o suficiente para saber exatamente o que estava fazendo, e mesmo assim foi em frente e disse à sua namorada que ela não é mais atraente para você. Por quê? Sério, por quê? Você fez os cálculos mentais naquele momento e decidiu que a vergonha e a dor que sabia estar infligindo a ela valiam a pena, se isso fizesse sua namorada voltar ao tamanho que você quer que ela tenha?

Você pediu conselhos práticos, então aqui está: comece por sua própria pessoa. Trabalhe em quem você é. Não estou falando em curtir fotos de pessoas gordas yogis e citações positivas sobre corpo no Twitter. Estou falando de tentar realmente entender o que contribui para determinar o peso de uma pessoa e realmente buscar conhecimento sobre como é habitar o mundo como uma pessoa que não é magra, e mais do que tudo, entender por que você reagiu à sua namorada desse jeito. Se for para restaurar a intimidade de vocês, vai ter que começar com você fazendo um trabalho duro na sua própria pessoa e aprendendo a valorizar os sentimentos de sua namorada em relação a seu próprio corpo. Vai ter que começar com você se preocupando menos com como as pessoas percebem seu ativismo e mais com o que está acontecendo na mente e no coração de sua namorada.

Tenho fontes seguras para dizer que estes são alguns bons livros para começar sua jornada em ser alguém melhor, incluindo textos educativos e memórias: Belly of the Beast: The Politics of Anti-Fatness as Anti-Blackness, de Da’Shaun Harrison; Shame Is an Ocean I Swim Across: Poems, de Mary Lambert; Heavy: An American Memoir, de Kiese Laymon; qualquer coisa/tudo que Samantha Irby produziu; Fat and Queer: An Anthology of Queer and Trans Bodies and Lives. E quanto a podcasts, um bom para iniciantes é o Maintenance Phase e um mais radical é o Unsolicited: Fatties Talk Back.

Vou encerrar com uma história sobre minha própria jornada pessoal em relação a dieta e exercícios. Na verdade, ganhei bastante peso desde o início da pandemia, em grande parte por causa da Covid Longa e dos medicamentos que preciso tomar para controlá-la, além do fato de que estive praticamente confinada à minha casa por mais de dois anos. Sofri com o impacto disso em como me sinto sobre mim mesma, mas ao longo do processo dessas dificuldades, minha esposa e eu nos aproximamos mais ainda e nossa intimidade se aprofundou para além das minhas imaginações mais ousadas. Não porque eu engordei, mas porque meu aumento de peso não diminuiu em nada o afeto ou atração dela por mim. Quando eu perguntava e perguntava e perguntava, ela reafirmava de novo e de novo e de novo que me amava, que eu era a melhor pessoa do mundo, independente do tamanho das minhas roupas, que ela desejava me amar e beijar independente do que a balança mostrava, que ela entendia minhas inseguranças e que elas eram válidas, mas que meu corpo é apenas a carapaça que me mantém viva por dentro e que tudo que importa para ela é que ainda sou eu mesma aqui dentro. O processo de me tornar tão vulnerável em relação às minhas inseguranças e não receber nada além de afirmação curou algo dentro de mim que eu nem sabia que estava me machucando.

Hoje de manhã, voltei para casa depois de andar de bicicleta, coberta de suor, poeira de estrada e chuva. Minha esposa me agarrou e me beijou toda boba. Eu disse: “Você gosta de como fico nessa roupa de ciclismo”. Ela disse: “Nada me faz mais feliz do que sua felicidade, e nada te deixa mais feliz do que estar em sua bicicleta”. Eu quase desisti de pedalar depois que comecei a me recuperar da Covid Longa porque eu me sentia uma salsicha embutida nas minhas roupas de ciclismo de lycra, mas minha esposa me incentivou a comprar roupas que me servissem melhor. Então eu o fiz, e minha recompensa foi reconquistar meu hobby favorito e receber um monte de beijos por isso.

Todo mundo merece algo assim. Eu, sua namorada e todas as zilhões de outras pessoas no mundo cujo peso é apenas uma das miríades de coisas que sempre estarão em fluxo nas nossas incríveis vidas únicas e preciosas.


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"na minha época não tinha esse negócio de autismo"

tradução de post de imagem* por niê* e vinícius* 2023

Historicamente, pessoas com deficiência e pessoas com transtornos mentais eram rotuladas como “débil mentais” ou “loucas”. Ter deficiência e/ou transtornos mentais era visto como uma vergonha e pessoas com deficiência eram trancadas em asilos, longe de sua família e amigos. Lá eram esterilizadas, o que significa que não poderiam mais ter filhos.

Havia mais de 100 mil pessoas em asilos psiquiátricos. Eles só começaram a ser fechados nos anos 1980 ou 1990 na Inglaterra. A triste realidade é que a razão pela qual “o autismo não existia na sua época” é porque autistas eram mantidos em asilos. Não havia a chance de conhecer pessoas autistas ou aprender sobre autismo porque ele era visto como uma vergonha. Pessoas autistas ficavam escondidas.

O autismo só se tornou um diagnóstico semi recentemente. Anteriormente, apesar de sempre ter existido, ele costumava ser chamado de esquizofrenia infantil. Antes disso, autistas eram chamados de “retardados mentais”, “loucos” ou “débil mentais”. O motivo pelo qual você não sabia que o autismo existia na sua época era porque pessoas autistas recebiam todos esses outros rótulos.

Em alguns aspectos, o mundo está se tornando cada vez mais difícil para pessoas autistas. Estamos morando mais perto de outras pessoas, experienciando mais barulho de trânsito, vendo outdoors luminosos e coloridos e recebendo mais pressão para trabalhar por mais tempo e de forma mais árdua em um mundo capitalista. Esse aumento de dificuldade que estamos enfrentando significa que mais pessoas autistas estão sofrendo, nos levando a acessar um diagnóstico e percebermos que somos autistas. O critério diagnóstico do autismo é, em grande parte, baseado em como o autismo se apresenta quando pessoas autistas estão sofrendo.

Também vem havendo uma crescente conscientização sobre o autismo. As pessoas estão tendo menos medo de ser abertamente autistas – apesar de que, é claro, não podemos fugir do fato de que isso ainda pode ser assustador, especialmente para aqueles que são multiplamente marginalizados. Pode-se dizer que as redes sociais também têm dado a pessoas autistas a chance de ter nossas vozes ouvidas e compartilhar nossas experiências pela primeira vez. Essa conscientização e entendimento do autismo faz com que haja mais pessoas falando sobre isso e se dando conta de que são autistas. O autismo não é uma coisa nova, ele sempre existiu, só não se falava nele.

Por muito tempo, autistas eram forçados a continuar sofrendo, sem saber quem éramos e por que certas coisas eram tão difíceis. Autistas eram forçados a sofrer. Antigamente autistas não podiam ter acesso a apoio ou auxílio. Isso não é uma coisa boa.

Não é de se orgulhar que, por tanto tempo, a sociedade escondeu pessoas autistas e não forneceu a elas o apoio para se entender. O fato de que tem havido uma crescente conscientização e entendimento do autismo é, em grande parte, algo bom. O autismo sempre existiu, mas pessoas autistas nem sempre receberam a liberdade de existir.


tags*: #capacitismo #neurodivergência compartilhar

checklist de traços autistas

tradução de post de texto* por niê* 6 jul. 2023

Nota de tradução: já existe uma tradução da checklist para o português feita em 2017, mas ela deixa de fora algumas categorias e usa o feminino por toda sua extensão, alinhada ao conteúdo que Samantha Craft produzia quando a elaborou pela primeira vez (vide disclaimer abaixo); a presente tradução tem por objetivo incluir a lista na íntegra e reformular sua linguagem usando neutralidade de gênero. O texto do disclaimer foi adaptado para melhor compreensão; todas as informações estão presentes no texto-fonte, tendo apenas sido reformuladas e reorganizadas para concisão e padronização.

Disclaimer: Essa é a opinião de uma única pessoa¹. Essa checklist não tem a intenção de substituir a definição do Transtorno do Espectro Autista do DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) nem tem como objetivo servir como uma ferramenta de diagnóstico oficial. Milhares e milhares de indivíduos ao redor do mundo têm utilizado esta lista, em conjunto com o DSM-IV ou DSM-V e a orientação de profissionais de saúde mental com qualificação. Ela tem sido uma ferramenta importante para mulheres em particular, mas pessoas de todos os gêneros se identificam com a lista; ela é baseada em mais de oito anos de comunicação, quase que diariamente, com pessoas diagnosticadas ou autodiagnosticadas autistas. Essa não é uma lista extensiva; alguns indivíduos se encaixarão em categorias e não serão autistas. O objetivo é que isso seja um ponto de partida para discussão e maior conscientização.

Essa lista foi criada em 2012 e atualizada em maio de 2016. A postagem original, Females with Asperger’s Non-Official Checklist, foi originalmente escrita quando a Síndrome de Asperger era um diagnóstico independente; naquela época, pouco se escrevia ou discutia sobre mulheres no espectro autista. Seu livro de memórias sobre ser uma mulher no espectro, Everyday Aspergers, também leva “Asperger” no título pois, à época de sua elaboração, esse era o diagnóstico da autora. Hoje ela se identifica como autista e é diagnosticada com TDAH, TOC, TEPT complexo, dislexia, dispraxia, TAG, SED do tipo hipermóvel, fibromialgia e outras síndromes de dor crônica. A maneira que suas condições se manifestam não é incomum; muitas pessoas autistas adultas têm diversas comorbidades.

¹ Samantha Craft (ou Marcelle Ciampi) tem mestrado em Educação. Ela não fez doutorado em Psiquiatria ou Psicologia, mas possui uma credibilidade sólida resultante de viver no espectro e também ser mãe de uma criança autista. Samantha elaborou essa checklist não oficial num esforço de ajudar profissionais de saúde a reconhecer o autismo; ela pode ser direcionada a terapeutas, assessores, psiquiatras, psicólogos, professores e parentes contanto que o nome e as informações de contato da autora estejam incluídas.




CHECKLIST DE TRAÇOS AUTISTAS
criada por Samantha Craft


Uso sugerido: Marque todas as áreas que se aplicam fortemente à pessoa. Se cada área tiver 75% a 80% das declarações marcadas ou mais, então você pode começar a considerar que ela talvez seja autista. [Nota de tradução: para facilitar a contagem, o número de itens marcados por área que corresponde à porcentagem sugerida será incluído no fim de cada seção; quando o resultado tiver casas decimais, a aproximação será feita com o número inteiro mais próximo.]

Ao determinar um diagnóstico de transtorno do espectro autista, recomenda-se olhar para a infância, adolescência, juventude e o presente da pessoa. Isso se aplica especialmente aos desafios de comunicação; muitos indivíduos autistas aprendem as regras de comunicação por conta própria, a ponto de serem extremamente habilidosos nisso. Um identificador primário pode ser o fato de ainda estarem aprendendo as regras sociais e de comunicação; em outras palavras, ainda estão ensaiando, mascarando e/ou tentando se encaixar.

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Seção A: Pensamento profundo

- Pensa de maneira aprofundada
- Faz arte e/ou escreve prolificamente (possível inclinação à poesia)
- Muito inteligente*
- Enxerga as coisas em vários níveis, incluindo seus próprios processos de pensamento
- Analisa a existência, o sentido da vida e tudo o mais constantemente
- Pessoa séria e prática/objetiva por natureza
- Não trata as coisas como garantidas ou as aceita sem questionar
- Não simplifica
- Tudo é complexo
- Frequentemente se perde nos pensamentos e "se desliga" (olhar vazio)

*Ser inteligente não está relacionado a níveis de Q.I.; indivíduos autistas muitas vezes têm dislexia, disgrafia e outras dificuldades de aprendizagem, mas podem ser altamente inteligentes em assuntos específicos, ter pensamento criativo/“fora da caixa” e fluência verbal/inteligência fluida

(75% a 80% = 7 a 8 itens; total = __/10)


Seção B: Inocência

- Mostra ingenuidade
- Pessoa honesta
- Não sabe mentir
- Acha difícil entender manipulação e deslealdade
- Acha difícil entender comportamentos vingativos e retaliação
- Pessoa facilmente enganada e ludibriada
- Tem sentimentos de confusão e sobrecarga
- Tem sentimentos de deslocamento e/ou ser de outro planeta
- Tem sentimentos de isolamento
- Sofreu abuso ou exploração na infância, mas não pensou em contar a ninguém

(75% a 80% = 7 a 8 itens; total = __/10)


Seção C: Fuga e amizade

- Atravessa emoções e sensações muito intensas escapando em pensamento ou ação
- Escapa regularmente por meio de fixações, obsessões e interesse excessivo em determinados assuntos
- Escapa regularmente por meio da imaginação, fantasia e devaneios
- Escapa racionalizando/processando mentalmente
- Escapa pelo ritmo das palavras
- Filosofa continuamente
- Tinha amizades imaginárias quando jovem
- Imita pessoas da televisão ou filmes
- Tratava as amizades como "ferramentas" na infância (via-as por suas funções e/ou papéis)
- Faz mais amizade com pessoas mais velhas ou mais jovens do que com pessoas da mesma idade (frequentemente no início da idade adulta)
- Imita amizades ou colegas no estilo, roupas, atitude, interesses e maneirismos (às vezes na fala)
- Coleciona e organiza objetos obsessivamente
- Domina a arte da imitação
- Escapa ouvindo a mesma música repetidamente
- Escapa por meio de um relacionamento (imaginário ou real)
- Números trazem conforto (podem estar associados a padrões, cálculos, listas, tempo e/ou personificação)
- Escapa contando, categorizando, organizando, rearranjando
- Escapa para outros cômodos em festas
- Não consegue relaxar ou descansar sem muitos pensamentos
- Tudo tem um propósito

(75% a 80% = 15 a 16 itens; total = __/20)


Seção D: Atributos comórbidos

- Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
- Questões sensoriais (visão, som, textura, cheiros, paladar; pode ter sinestesia)
- Ansiedade generalizada (TAG)
- Sentimento de perigo iminente ou destino sombrio
- Sentimentos de extremos opostos (depressão/euforia; insensibilidade/hipersensibilidade)
- Fraco tônus muscular, articulações flexíveis e/ou falta de coordenação (pode ter Síndrome de Ehlers-Danlos e/ou hipotonia e/ou POTS)
- Transtornos alimentares, obsessões alimentares e/ou preocupação com o que come
- Síndrome do intestino irritável (SII) e/ou problemas gastrointestinais
- Fadiga crônica e/ou problemas imunológicos
- Diagnóstico errado ou diagnóstico de transtorno mental
- Apresenta diversos sintomas físicos, possivelmente tratados como hipocondria
- Questiona seu lugar no mundo
- Derruba frequentemente objetos pequenos
- Questiona quem é e o que se espera que seja
- Busca pelo certo e pelo errado
- Desde a puberdade, tem tido episódios de depressão (pode ter TDPM)
- Aperta/esfrega as unhas, cutuca o couro cabeludo/pele, balança as mãos, esfrega as mãos uma na outra, coloca as mãos entre ou sob as pernas, mantém os punhos cerrados, caminha em círculos e/ou pigarra com frequência

(75% a 80% = 13 a 14 itens; total = __/17)


Seção E: Interação social

- Amizades terminam repentinamente (sem que se saiba o motivo) e/ou tem dificuldade em fazer amizades
- Tendência a compartilhar mais do que deveria
- Vaza detalhes de sua vida pessoal a estranhos
- Levantava muito a mão na escola ou não participava das aulas
- Pouco controle de impulsos de fala quando mais jovem
- Monopoliza a conversa em alguns momentos
- Traz o assunto de volta para si
- Às vezes passa a impressão de ser uma pessoa narcisista e controladora (não é narcisista)
- Compartilha para se conectar
- Em alguns momentos, soa como uma pessoa entusiasmada/exaltada demais ou apática/desinteressada
- Guarda muitos pensamentos, ideias e sentimentos
- Sente como se estivesse tentando se comunicar "corretamente"
- Alimenta obsessões com um relacionamento em potencial, especialmente um interesse amoroso ou uma possível nova amizade
- Regras de contato visual adequado, tom de voz, proximidade do corpo, postura e gestos em uma conversa causam confusão
- Conversas frequentemente são exaustivas
- Questiona continuamente ações e comportamentos próprios e de outras pessoas
- Sente como se tivesse um "gene" de conversa ou filtro mental faltando
- Treinou-se em interações sociais por meio de leituras e estudando outras pessoas
- Visualiza e pratica como agirá ao redor de outras pessoas
- Pratica/ensaia mentalmente o que dirá a alguém antes de entrar na sala
- Dificuldade em filtrar ruídos de fundo ao falar com as pessoas
- Tem um diálogo interno constante dizendo o que falar e como agir em situações sociais
- Seu senso de humor às vezes parece peculiar, estranho, inapropriado ou diferente do das outras pessoas
- Era difícil saber sua vez de falar quando criança
- Acha as normas de conversação confusas
- Acha difícil entender, lembrar e aplicar regras não escritas e não faladas

(75% a 80% = 19 a 21 itens; total = __/26)


Seção F: Refúgio na solidão

- Sente alívio extremo quando não tem que ir a lugar algum, falar com ninguém, atender ligações ou sair de casa, mas ao mesmo tempo costuma sentir culpa por "hibernar" e não fazer "o que todo mundo está fazendo"
- Ter visita em casa pode ser percebido como uma ameaça (talvez até mesmo sendo um membro familiar conhecido)
- Saber logicamente que uma visita não é uma ameaça não alivia a ansiedade
- Sentimentos de angústia com eventos e compromissos cuja data se aproxima
- Saber que precisa sair de casa causa ansiedade desde o momento em que acorda
- Todos os passos envolvidos em sair de casa são insuportáveis e exaustivos de se pensar
- Prepara-se mentalmente para saídas, excursões, reuniões, encontros e compromissos, muitas vezes dias antes da data
- Tendências de TOC quando se trata de conceitos de tempo, estar na hora, controlar o tempo, registrar o tempo e gerenciar o tempo (pode ser estendido para dinheiro também)
- Questiona os próximos passos e movimentos continuamente
- Às vezes sente como se estivesse num palco diante de uma plateia e/ou tem a sensação de que sempre precisa seguir os passos "certos", mesmo estando sem companhia em casa
- Falar consigo usando as palavras "certas" e/ou pensar positivo (terapia cognitivo-comportamental) geralmente não alivia a ansiedade (a TCC pode causar sentimentos aumentados de inadequação)
- Saber que vai ficar em casa o dia todo traz grande paz de espírito
- Precisa de muito tempo de inatividade ou sem companhia
- Sente culpa após passar muito tempo se ocupando com um interesse especial
- Não se sente à vontade em vestiários públicos, banheiros e/ou provadores
- Não gosta de estar em lugares lotados, como shoppings, academias e/ou cinemas

(75% a 80% = 12 a 13 itens; total = __/16)


Seção G: Sensibilidade

- Sensível a sons, texturas, temperatura e/ou cheiros, em especial ao tentar dormir
- Ajusta roupas de cama e/ou o ambiente na tentativa de obter conforto
- Sonhos são cheios de ansiedade, vívidos, complexos e/ou premonitórios
- Tem grande intuição sobre os sentimentos das pessoas
- Tem muita empatia, às vezes a ponto de gerar confusão
- Leva críticas para o pessoal
- Anseia por reconhecimento, atenção e compreensão
- Questiona-se se é uma pessoa "normal"
- Altamente suscetível às opiniões e pontos de vista de terceiros
- Por vezes adapta sua visão da vida ou ações com base nas opiniões ou palavras das pessoas
- Reconhece suas limitações em muitas áreas diariamente, senão a cada hora
- Se magoa quando as pessoas questionam ou duvidam do seu trabalho
- Vê muitas coisas como uma extensão de si
- Tem medo das opiniões, críticas e julgamentos das pessoas
- Repudia palavras e eventos que machucam animais e pessoas
- Pega ou resgata animais (muitas vezes na infância)
- Tem grande compaixão pelo sofrimento (às vezes por objetos inanimados/personificações)
- Sensível a substâncias (toxinas ambientais, alimentos, álcool, medicamentos, hormônios etc.)
- Tenta ajudar, oferece conselhos não solicitados ou monta planos de ação
- Questiona o propósito da vida e como ser uma pessoa "melhor"
- Tem sede de entender habilidades, talentos e/ou dons

(75% a 80% = 16 a 17 itens; total = __/21)


Seção H: Senso de si

- Sente-se em conflito entre querer ser uma pessoa genuína e querer se encaixar
- Imita as pessoas sem perceber
- Reprime seus desejos reais (geralmente no início da idade adulta)
- Exibe comportamentos codependentes (geralmente no início da idade adulta)
- Adapta-se para evitar ridicularização
- Rejeita e/ou questiona normas sociais
- Tem sentimentos de isolamento extremo
- Sentir-se bem com quem se é exige muito esforço e trabalho
- Muda preferências de acordo com o ambiente e as pessoas
- Muda comportamentos de acordo com o ambiente e as pessoas
- Não se importava com sua higiene, roupas e aparência antes da adolescência e/ou até que outra pessoa chamasse a atenção para isso
- "Surta", mas não sabe por que até depois
- Tem uma voz que soa jovem
- Tem dificuldade em reconhecer a própria aparência e/ou tem ocorrências de leve prosopagnosia (dificuldade em reconhecer ou lembrar de rostos)
- Sente-se significativamente mais jovem por dentro do que por fora (perpetuamente com 12 anos de idade)

(75% a 80% = 11 a 12 itens; total = __/15)


Seção I: Confusão

- Custou a aprender que as pessoas nem sempre são honestas
- Sentimentos parecem confusos, ilógicos e imprevisíveis (os próprios e os das outras pessoas)
- Confunde horários de compromissos, números e/ou datas
- Espera que, ao agir de certa maneira, certos resultados possam ser alcançados, mas percebe, lidando com as emoções, que esses resultados nem sempre se manifestam
- Falava de forma franca e literal na juventude
- Não entende piadas
- Sente confusão quando as pessoas excluem, evitam/ignoram, menosprezam, enganam e traem
- Tem dificuldade em identificar sentimentos, a menos que sejam extremos
- Tem dificuldade com emoções de ódio e aversão
- Sente pena de seus algozes ou ofensores
- Sentimentos pessoais de raiva, indignação, amor intenso, medo, instabilidade e antecipação parecem mais fáceis de identificar do que emoções de alegria, satisfação, tranquilidade e serenidade
- Tem dificuldade em reconhecer os impactos de emoções extremas (indignação, amor intenso); transferir o que aprendeu sobre emoções em uma situação para outra é desafiador
- Situações e conversas às vezes são percebidas como “8 ou 80”
- O meio-termo de resultados, eventos e emoções às vezes é desconsiderado ou mal compreendido (mentalidade “tudo ou nada”)
- Uma pequena briga pode sinalizar o fim de um relacionamento ou o colapso do mundo
- Um pequeno elogio pode levar a um estado de êxtase

(75% a 80% = 12 a 13 itens; total = __/16)


Seção J: Palavras, números e padrões

- Gosta de conhecer origens de palavras e/ou fatos históricos, bem como as causas/bases destes
- Sente confusão quando uma palavra tem mais de um significado (ou grafia)
- Grande interesse em músicas e letras de músicas
- Percebe padrões com frequência
- Lembra das coisas de forma visual
- Lembra de detalhes exatos sobre a vida de alguém
- Tem uma memória excepcional para certos detalhes
- Escreve ou cria para aliviar a ansiedade
- Tem certos "sentimentos" ou emoções em relação a palavras e/ou números
- Palavras e/ou números trazem uma sensação de conforto e paz, quase como uma amizade

(75% a 80% = 7 a 8 itens; total = __/10)


Opcional: Funções executivas e habilidades motoras
(Esta área não é tão evidente quanto as outras)

- Tarefas simples podem causar extrema dificuldade
- Fazer curvas ou aprender a dirigir pode ser desafiador
- Novos lugares trazem seus próprios desafios
- Qualquer coisa que exija um passo a passo moderado, destreza ou conhecimento técnico pode gerar um sentimento de pânico
- A ideia de consertar, reparar ou procurar algo pode causar ansiedade
- Tarefas corriqueiras são evitadas
- Cuidar da higiene própria e limpar a casa pode parecer impraticável
- Muitas perguntas surgem ao iniciar uma tarefa
- Pode sair de casa com meias diferentes, camisa abotoada errado e/ou ter dislexia e/ou disgrafia
- Uma ida ao supermercado pode ser insuportável
- Tem dificuldade em copiar passos de dança, movimentos aeróbicos ou instruções em uma aula de esporte
- Tem dificuldade em encontrar certos objetos na casa, mas lembra com muita clareza onde estão outros objetos; não conseguir localizar algo ou simplesmente pensar em procurá-lo pode causar sentimentos de ansiedade intensa (desafios com permanência do objeto)

(75% a 80% = 9 a 10 itens; total: __/12)


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