"do mal"?

[audiodescrição introdutória em breve]

Quando as pessoas discutem as atrocidades que estão sendo cometidas pelas forças de ocupação contra o povo de Gaza, você escuta a palavra "maligno" sendo dita por aí. E, na verdade, não gosto do jeito que usamos essa palavra.

Preste muita atenção quando você a ouvir e como ela está sendo invocada. As pessoas falam sobre o mal quase como se fosse algo sobrenatural. Falam como se fosse uma força primordial incontrolável e onipresente à qual os humanos não têm poder para ser mais que um canal, e que é apenas uma questão de quando e onde.

Eu acho que isso é um erro por diversos motivos, que se resumem à desumanização das pessoas que estão perpetuando essas atrocidades. Liberais vão me ouvir mal quando eu disser isso, tipo, "ah, sim, humanizem criminosos de guerra, vocês têm mesmo é que sentar em volta de uma fogueira e cantar uma música ou algo do tipo"; não estou dizendo nada disso, mas sim que você tem que se forçar a entender que essas atrocidades estão sendo cometidas por mãos e pessoas humanas.

Isso é importante porque só seres humanos são capazes de responder por suas ações. Satanás ou a força do mal ou o bicho-papão ou sei lá não pode ser responsabilizado. As Forças de Ataque de Israel com certeza podem.

E mais ainda, acho perigoso criar uma distância entre si próprio e as pessoas que estão cometendo esses atos horríveis, porque é assim que eles são capazes de serem cometidos em primeiro lugar. Você vê corpos sendo explodidos e seu cérebro não consegue compreender a desumanidade, e diz "não, isso é um Outro maligno alienígena e não tem nada a ver comigo", mas tem tudo a ver com você, porque se seres humanos do outro lado do mundo podem ser influenciados por seu Estado a fazer tais coisas, você também pode. Entidades políticas mal-intencionadas se aproveitam de motivações humanas para fazer com que pessoas façam coisas terríveis em seu nome.

Se você desumaniza as pessoas que cometem esses atos, você perde isso de vista. Abaixe o espelho, pois você deveria estar dando uma boa olhada nele. Suas motivações também podem ser distorcidas pelo Estado para fins malignos. Qualquer superioridade moral ou separação que você sinta desse fato é apenas consequência das circunstâncias. Estamos sobre terras roubadas também.

Quando você se separa da sua capacidade de fazer o mal, você tira o dedo do coração da sua humanidade. É assim que um grupo de pessoas que sofreu genocídio pode vir a cometer um. Quando você trata o opressor como um outro, você não consegue identificar que se tornou ele.

Usamos o mal como um recurso retórico para nos distanciar das partes feias e assustadoras da humanidade que não gostamos de ver no espelho. Acho que, especialmente para estadunidenses, isso é um erro enorme. A realidade incômoda é que você não está separado disso, você está muito mais próximo disso do que talvez se permita admitir. Você vê o que está acontecendo lá e diz "isso é diabólico, isso é Maldade com letra maiúscula", quando a palavra que procura de fato é Americano com letra maiúscula. [interjeição] Oops!

Israelenses não são sobrenaturalmente malvados, Netanyahu não é o Voldemort. Eles são parte de um projeto de ocupação colonial cujo manual os EUA ajudou a escrever. Não ouse se separar disso, ainda mais quando você o está financiando. Acho que o quão perto você está do mal do qual você tenta se distanciar é o que mais te assusta. A chamada está vindo de dentro de casa e essa é a realidade com a qual é tão vital lidar.


a campanha de marketing para o genocídio

[audiodescrição introdutória em breve]

Fiz outro quadro para vocês. Mas dessa vez é para que a gente possa encenar como o time de marketing para o genocídio. Preste atenção.

Trabalho com marketing, comunicação, essas coisas, há uns 10 anos, e posso afirmar com segurança que estamos sendo submetidos, com esse genocídio, a uma campanha de marketing de primeira classe. Então o que pensei em fazermos juntos é afastar as cortinas para podermos nos ver da forma que eles nos veem, e assim podermos analisar qual seria o pior cenário para eles e como podemos fazer isso juntos. Vamos lá, então.

[mostra um quadro branco com um gráfico de meia pizza dividido em três partes iguais, marcadas como "positivo" (em verde), "neutro" (em preto) e "negativo" (em vermelho)]

Toda boa marca tem isso: você tem que saber quem são seus apoiadores [aponta para "positivo" no quadro], quem não se importa muito com a sua marca [aponta para "neutro"] e quem é contra [aponta para "negativo"]. Então, para a gente, essas ["positivo"] são pessoas a favor do genocídio, essas ["neutro"] são pessoas que, nas palavras de Piers Morgan, acham que "não têm um cavalo na corrida", e essas ["negativo"] são pessoas veementemente contra nós. Agora, toda boa campanha de marketing costuma tentar conquistar essas pessoas [aponta para "neutro"], porque é aqui que está o mercado em potencial, certo? Essas são as pessoas que, se as transformarmos em apoiadoras, ficamos com a maior parcela de mercado.

ler tudo

Esse não é bem o nosso caso. Para seguirmos adiante com esse genocídio, tudo o que a gente precisa é que essas pessoas continuem neutras e assim teremos a maioria [contorna as partes de "neutro" e "positivo" juntas]. Ok? Então, em virtude de dizerem "eu não tenho um cavalo na corrida" e continuarem a dizer isso, estamos vencendo. De novo, como toda boa propaganda de marketing, eu não preciso mirar aqui ["positivo"]; esses vão ficar conosco haja o que houver. Poucos desses, para ser honesta, vão abandonar o barco para cá ["negativo"], mas isso é irrelevante; vamos ter que torcer para que não seja o suficiente para desequilibrar o barco.

Você deve estar se perguntando: "quais são minhas ferramentas para manter essas pessoas neutras?" Essa é uma ótima pergunta. Isso é o que tenho à disposição: tenho cerca de duas décadas e meia de imprensa islamofóbica à qual estiveram submetidas [escreve "imprensa" na parte de "neutro" do quadro], o que é fantástico; tenho construído muitas relações públicas [escreve "RP"], pagando celebridades para tirarem férias aqui, me promovendo como um destino de férias... eu também vou, com essa imprensa, convencê-las de que essa é uma questão complexa [escreve "complexo"]; o que vão fazer é acreditar que o bem moral [escreve "bem"] é continuar em silêncio, e isso é muito importante aqui, porque eu quero que elas acreditem que essa questão é tão inacessível e além da compreensão delas que tomar um partido seria, na verdade, o mal moral, por mais que a história [riso] dirá que não é e só vão precisar ler um livro sobre genocídio para perceber que estão sendo cúmplices, mas vamos torcer para que isso não aconteça. Vamos pagar mais algumas celebridades, influenciadores e tal [escreve "infl."], para dizer que o que estamos fazendo é bom, porque suas vozes vão ser mais altas que as de pessoas que não conhecem, embaixadores e tal. Certo?

[vira o quadro de ponta-cabeça para mostrar uma tabela dividida em duas colunas, "neutro" (em preto) e "negativo" (em vermelho) com três linhas cada]

Vamos dar uma olhada em quem são as pessoas que estamos conseguindo manter neutras; para fazer isso, vamos descobrir quem elas não são. As pessoas que são contra esse genocídio, ruins para nós, né, tendem a ser mais jovens [aponta para a primeira palavra da primeira linha de "negativo"], pessoas que reconhecidamente não assistem muito à mídia mainstream. Isso significa que não consomem muitas notícias mainstream, o que quer dizer que elas não são tão islamofóbicas quanto, digamos, os pais delas, e é por isso que dizemos que nossos pais são problemáticos; o motivo deles falarem coisas problemáticas é o motivo de você não falar. Eles vêm consumindo coisas que você não consome, essa é a verdade; se você começasse a consumir mídia mainstream por anos e anos e anos, você também seria problemático. Então essas pessoas que são negativas a essa campanha também tendem a ser pessoas racializadas [aponta para a segunda palavra da linha] pessoas racializadas porque elas tendem a desconfiar, digamos, do que a mídia mainstream diz sobre elas, porque elas conseguem olhar para as campanhas que estamos fazendo e dizer, "isso não é verdade". Então, em virtude de serem pessoas mais jovens e racializadas, elas tendem a não ter muito dinheiro [aponta para a segunda linha, "$-$$"]. O que isso significa é que elas não têm cargos de chefia no trabalho, tendem a não ter empresas próprias e tendem a não ter estado no país que estão tempo suficiente para terem acumulado muito poder [aponta para a terceira linha, "poder -"]. Isso falando no geral, né; estamos nos concentrando na pessoa média.

Então quem são as pessoas que estão ficando neutras? Vamos ver. Elas tendem a ser mais velhas [aponta para a primeira palavra da primeira linha de "neutro"]; de novo, o motivo de serem neutras e o motivo de serem mais velhas estão ligados. O motivo de serem ambos é porque elas vêm consumindo muita mídia mainstream; elas só tiveram que aceitar a islamofobia [riso] por todos esses anos. Por serem pessoas mais velhas e brancas [segunda palavra da primeira linha], elas tendem a ter um pouco mais de dinheiro [aponta para a segunda linha, "$$-$$$"], e, portanto, a ter um pouco mais de poder [terceira linha, "poder +"], seja por estarem em suas posições por mais tempo, seja por terem uma empresa, porque estão aí há mais tempo, então só querem trabalhar para si mesmas, coisa e tal. Elas tendem a ter um pouco mais de "influência" na sociedade. Então são essas as pessoas que precisamos que fiquem neutras. Ok?

[desvira o quadro de volta para o gráfico de meia pizza]

Nosso pior cenário de marketing para esse genocídio são essas pessoas [aponta para "neutro"] perceberem que estão sendo cúmplices de um genocídio com sua neutralidade. O momento que elas entenderem que, na verdade, não é o bem moral ficar em silêncio, é o momento que começamos a perder essa parcela de mercado. O jeito que isso pode acontecer é se as pessoas que estão aqui ["positivo"] começarem a fazer com que seus influenciadores cheguem a essas pessoas em específico ["neutro"] e digam, "meus amigos, provavelmente está na hora de acordar". O motivo pelo qual isso seria um prejuízo é o simples fato de essas pessoas participarem de um boicote, pois, por causa do tanto de dinheiro que elas têm, eu teria muito do meu financiamento cortado. O momento em que essas pessoas começarem a dizer a pessoas com quem trabalham, porque elas têm segurança para fazer isso, que não tem problema apoiar a Palestina, e outras pessoas começarem a apoiar a Palestina, porque elas têm essa influência, é o momento em que começamos a perder espaço no mercado. O momento em que essas pessoas acordarem para o fato de que, historicamente, a consciência delas não vai estar limpa daqui a 10 anos e que estão caindo de novo no [riso] velho truque do genocídio, é aí que começamos a perder espaço no mercado.

subir


a lógica do bombardeio em massa

[audiodescrição introdutória em breve]

[Bassem Youssef] Eu quero entender qual é a lógica de Israel bombardear Gaza sistematicamente. Quero dizer, se houver uma lógica, se for boa, se isso tornará Israel seguro, eu quero ouvir a lógica. Então, se eles continuarem bombardeando, o que eles esperam conseguir? Deixe-me saber o que eles--

[Piers Morgan] Bem, sabemos qual é o objetivo declarado deles: o objetivo declarado deles é erradicar e acabar com o Hamas. Eles acreditam que o Hamas vive predominantemente no norte de Gaza, e eles também estão cientes de que estão vivendo entre civis.

[B.Y.] Então, se eu consegui entender corretamente, basicamente Israel está fazendo isso para pressionar a comunidade palestina em Gaza a se voltar contra o Hamas. É isso mesmo?

[P.M.] Tenho certeza que isso é parte do motivo, sim.

[B.Y.] É parte do motivo. Então isso é exatamente o que organizações terroristas fazem, porque organizações terroristas não teriam a menor chance de derrotar uma nação inteira em combate, então eles aterrorizam e matam os civis para espalhar medo e terror, para que eles possam se voltar contra seu governo para mudar sua política ou renunciar. Você acabou de comparar Israel com o ISIS.

[corte]

[B.Y.] Eu diria-- eu realmente aplaudo Israel por fazer uma coisa que nenhuma força militar no mundo faz, porque eu ouvi Ben Shapiro e Ron DeSantis e eles disseram que Israel é a única força militar do mundo que avisa os civis antes de bombardeá-los. Quer dizer, que fofo, isso é tão gentil da parte deles! Porque com essa lógica, se as tropas russas começassem a alertar os ucranianos antes de bombardear suas casas, estaríamos de boa com o Putin, certo? Quer dizer, ok, habibi ["querido" em árabe], você os avisou, vá invadir. Está tudo bem, você fez o que tinha que fazer.


a linguagem cínica da grande mídia

[audiodescrição + transcrição da tradução em breve]